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terça-feira, 28 de outubro de 2014

Saúde e ambiente: palestras destacam preocupação com o desenvolvimento do país

Dilemas e desafios para a promoção, vigilância e cuidado em saúde e ambiente foi o tema de mais uma mesa que reuniu pesquisadores da ENSP durante o 2º Simpósio Brasileiro de Saúde e Ambiente (Sibsa), realizado em Belo Horizonte, Minas Gerais. A atividade teve participação do pesquisador do Departamento de Endemias Samuel Pessoa (Densp) Paulo Sabroza, que falou sobre o monitoramento epidemiológico realizado pela Escola na área de influência do Comperj, e do pesquisador do Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh) Luiz Cláudio Meirelles, cuja palestra abordou a questão da regulação dos agrotóxicos no país, os marcos legais de controle e os principais dilemas que envolvem o tema no cenário atual brasileiro. 
 
As apresentações ocorreram no eixo que tratou dos direitos, justiça ambiental e políticas públicas. Durante sua palestra, Sabroza apresentou uma proposta - já desenvolvida pela ENSP, no âmbito do Laboratório de Monitoramento de Grandes Empreendimentos (LabMep/ENSP) - de monitoramento da situação de saúde em projetos de grande desenvolvimento. Ele coordena um grupo de trabalho, junto com o pesquisador Luciano Toledo, que promove o monitoramento analítico da evolução de doenças e agravos na área de influência do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), que abrange os municípios de Itaboraí, Guapimirim, Cachoeira de Macacu e o distrito de Monjolos, em São Gonçalo. O objetivo do Plano, segundo ele, é contribuir para minimizar riscos de adoecimento e morte que eventualmente possam emergir no decorrer do processo de implantação e consolidação do empreendimento na sua área de abrabgência. “Neste momento, a análise se dá apenas no processo de implantação do Comperj, pois a fábrica ainda não está produzindo e, portanto, não emite nada tóxico”, explicou. 
 
Sabroza comentou que faz parte das atividades desenvolvidas pela instituição a elaboração de um relatório técnico-científico, em períodos quadrimestrais e anualmente, no qual constam os dados dos indicadores epidemiológicos das causas relevantes de adoecimento, morte e de segurança pública desse território. Segundo ele, são analisados um conjunto de agravos que acometem o território. “Isso é importante, pois faz parte do modelo de proposta que queremos difundir. A capacidade de gerar, sistemática e periodicamente, uma pauta para um determinado território parece uma coisa óbvia, mas não é. Nós começamos a desenvolver a proposta; e a ação passou a dar algum tipo de resosta”, ressaltou.  
 
Ao apresentar o mapa sobre o uso do solo na região do monitoramento, ressaltou que a escolha da localidade para a construção do complexo foi estratégica. “São municípios com a maior cobertura vegetal do Rio de Janeiro, têm grandes áreas de mata de primeira formação e seu ar é de excelente qualidade”, afirmou. Entre outras características, o pesquisador ressaltou que a taxa de óbito por faixa etária é de mais de 70 anos, apesar de ser uma região periférica pobre. As taxas de mortalidade por doenças respiratórias são altas, porém não se diferenciam tanto quando comparadas às taxas desse agravo no estado do Rio de Janeiro como um todo. Cada agravo tem uma distribuição diferente e desigual no território. “Existe uma certa ‘dança’ que precisa ser compreendida para que não façamos análises simplórias e digamos que não existe associação entre os agravos. Na verdade, existe. Mas elas não são simples e lineares como gostaríamos”, defendeu o pesquisador.
 
Política públicas diferenciadas para áreas ricas e áreas pobres
 
Para o estudo, foram definidas, junto com a população, os profissionais de saúde e de desenvolvimento social do entorno do empreendimento, 76 áreas identificadas como as mais críticas da localidade. Tais localidades correspondem a 20% desse território pobre e apresentam baixo nível de condições sociossanitárias e de moradia. Segundo dados apresentados por Sabroza, menos de 50% da população urbana de Itaboraí tem acesso à água encanada; menos de 30% tem acesso a esgoto; e menos de 30% das ruas são asfaltadas. “As condições de renda e educação não são tão ruins. Ruim é o que depende de políticas públicas que não funcionam. O desastre está nas políticas públicas para as áreas pobres. Este é o centro do nosso vetor de desenvolvimento”, alertou ele.  


 
Ao encerrar, Sabroza falou sobre o novo desafio para essa proposta de vigilância de base territorial: o monitoramento das condições de vida e saúde em assentamentos agrícolas no sul da Bahia. De acordo como pesquisador, a ideia é aplicar esse modelo em um conjunto de nove comunidades que não têm sistemas de informação de saúde. “Vamos levantar os determinantes e as condições de saúde em um conjunto de pessoas de uma localidade que nunca gerou informação para os sistemas. Esse projeto conta com a parceria do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST – Regional Sul da Bahia), Escola Técnica de Agroecologia de Itamaraju (BA), Núcleo de Gestão em Biodiversidade e Saúde de Farmanguinhos (Focruz), Escola Superior de Agricultura Luis de Queirós (USP), Secretaria de Saúde de Estado da Bahia e, surpreendentemente, uma empresa do Grupo Votorantim, que está interessada em discutir uma metodologia que possa representar as condições de vida dessa população, localizada na área em que ela atua”, concluiu ele. 
 
Agrotóxicos: Por que regular?
 
No mesmo eixo de discussão do Sibsa, o de direitos, a justiça ambiental e políticas públicas, o pesquisador do Cesteh/ENSP Luiz Claudio Meirelles destacou os desafios que as recentes mudanças na legislação do uso de agrotóxico no Brasil trouxeram para a área da saúde e ambiente, que acabaram perdendo o poder de regulação quanto ao uso emergencial de alguma substâncias. “A retirada da legitimidade dos processos de avaliação é muito grave, mas não é o único desafio a ser enfrentado nessa área no país e no mundo”, falou o pesquisador ao comentar os dilemas vividos na atualidade e os desafios relacionados ao controle dos agrotóxico no Brasil.
 
Luiz Cláudio, que integra o Grupo de Trabalho sobre agrotóxico da Fiocruz, ressaltou que existe uma série de programas e serviços ameaçados por um contexto político que não permite o avanço de discussões que impactem diretamente a vigilância. “No foco exclusivo da saúde, é bom dizer que a avaliação do agrotóxico no Brasil é compartilhada pelas áreas de saúde, agricultura e meio ambiente, e, apesar de o Ministério do Trabalho ter um papel importante, não entra nesse processo. Além disso, quando se trata de avaliação e registro de produtos, é bom dizer que a saúde é impossibilitada de discutir o que está dentro da área do meio ambiente. São territórios complicados do ponto de vista das competências estabelecidas pelo Brasil”, pontuou ele, dizendo ainda que nessa cadeia de responsabilidades há inúmeros ‘furos’ que levam à situações de exposição e agravo muito além do que deveria ser esperado, principalmente por conta do marco legal estabelecido no país.
 
A fiscalização, comentou o pesquisador, cabe aos três órgãos já citados. Em relação aos estados, cabe somente a fiscalização do uso e comercialização; aos municípios, a fiscalização do armazenamento. Porém, as unidades federativas, em sua maioria, não conseguem dar conta desse tipo de atribuição. No que se refere ao mercado privado, Meirelles destacou que existem hoje 130 empresas, sendo que 10 delas detêm 85% do mercado. As vendas, entretanto, giram em torno de 85 milhões de dólares. "As empresas também compraram ao longo dos últimos anos todas as produtoras de sementes. Nota-se, com isso, que a questão da segurança alimentar está concentrada nas mãos de um pequeno grupo de grandes empresas. Elas detêm o monopólio e, por conta disso, hoje é muito difícil comprar produtos não-transgênicos. O que foi pensado no início da discussão sobre transgênicos, de que nós teríamos direito a escolha enquanto cidadãos, além da possibilidade de consumir ou não esses produtos, não existe”. 
 
No que corresponde ao marco legal para o controle do agrotóxico, Meirelles aponta que é importante citar as contradições. “Tivemos muito avanços desde a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), constituição de diversos marcos regulatórios, mas houve uma alteração na regulação de agrotóxico que retirou a competência da área da saúde no que se refere à avaliação de produtos de uso emergencial. Hoje, só o Ministério da Agricultura (MAPA) pode autorizar, ou não, produtos que querem entrar no país. No bojo dessa situação, houve a alteração de três artigos na legislação de agrotóxico, facultando exclusivamente ao MAPA o registro de produtos para essa finalidade. E para a saúde e meio ambiente fica somente a possibilidade de emitir opinião após a aprovação do produto. Isso vai na contramão da história, uma vez que todos os países mais desenvolvidos debatem essa questão da exposição à substâncias químicas, além de colocaram a saúde e o meio ambiente em evidência nessas discussões”, ressaltou Meirelles preocupado. 
 
Sobre os principais dilemas existentes no país, Meirelles apontou o financiamento de campanhas políticas, as alianças de governo e as formas de provimento dos cargos nas instituições de estado. Além disso, destacou o crescimento da representação empresarial e da bancada ruralista no Congresso Nacional; a falta de compromisso dos candidatos à presidência com o agronegócio; e as políticas de financiamento restritas para modelo de produção não predatório. 
 
Em relação aos desafios, o pesquisador defendeu a coordenação de ações no âmbito do MS para a atuação no controle dos agrotóxicos, notadamente naquelas voltadas à saúde do trabalhador e do consumidor; o fortalecimento da área regulatória e de laboratórios; a promoção da substituição de agrotóxicos mais perigosos pelos mais seguros para saúde e meio ambiente; a atualização, com base nos princípios da proteção a vida e da precaução, dos procedimentos para avaliação toxicológica de agrotóxicos; a consolidação  desenvolvimento de programas de monitoramento enquanto serviços, como a qualidade de produtos, resíduos em alimentos, água potável, solo, material biológico e etc., o fortalecimento e ampliação das vigilâncias epidemiológica, ambiental, sanitária e da saúde do trabalhador; e, por fim, porém não menos importante, a promoção da capacitação continuada.